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VIOLÊNCIA DOS TORCEDORES DE FUTEBOL
Um problema de educação?
Se você pensa que a violência do torcedor de futebol é maior quanto menor for seu grau de escolaridade, está redondamente enganado. Esta foi uma das revelações da dissertação de mestrado Torcida de futebol: adesão, alienação e violência defendida pelo psicólogo Roberto Romeiro Hryniewicz, no Instituto de Psicologia da USP-SP.

Hryniewicz estudou torcedores comuns de futebol, ou seja, não pertencentes a torcidas organizadas, e as conclusões do seu trabalho causaram surpresa. Segundo o pesquisador  “os resultados demonstraram que torcedores comuns de futebol mais escolarizados podem ser, entre outras coisas, mais apaixonados pelo time do que o torcedor comum menos escolarizado. Assim como podem ser mais hostis com relação ao torcedor rival”. 

O pesquisador sugere que a educação, nos dias de hoje, está voltada para a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros ou de uma coletividade, ensinando as pessoas a pensar de uma mesma maneira e a reproduzir apenas algo já pensado, em vez de formar indivíduos conscientes de suas escolhas.

Uma educação voltada para a autonomia é importante para a redução da violência do torcedor de futebol, que se envolve, como verificou a pesquisa, de forma inconsciente no processo de "adesão, alienação e violência". Essa seqüência de comportamentos também pode estar presente em outras situações, fora dos jogos de futebol, admite o pesquisador.

Nessa entrevista, Hryniewicz analisa como uma educação massificada interfere nas escolhas e comportamentos pessoais, levando jovens e adultos à violência gratuita.

Como esse processo ocorre?

O primeiro fator que ocorre é a adesão, que é a pessoa se inserir a um grupo sem a intervenção da consciência, ou seja, ela é levada a torcer, tanto pela mídia, amigos, ou família. Diz-se então que essa pessoa tem uma relação “mediada” com o torcer.

No entanto, a maioria dos torcedores diz que torce por uma relação imediata com o time: por que “está no sangue”, “por que ama“, “por que nasceu assim”. etc  Esse engano que é imputado na consciência do torcedor evidencia uma alienação. Essa alienação faz com que ele se sinta parte do time, tão parte que qualquer um que se ponha contra o time, ou que se configure como rival, está contra ele, torcedor, e também é seu rival. E daí advém a violência - em menor grau do que o da torcida organizada - e também preconceitos dos mais diversos tipos.

Podemos concluir que esse processo também ocorre em outras situações, fora do futebol?

Sim, mas de outra forma. Em tudo aquilo em que uma paixão por algo que não se tem uma relação direta, imediata e pessoal, como cantores, músicas da moda, banda, celebridades etc. A violência seria mais branda, mas a pessoa invariavelmente se sente insultada quando qualquer uma de suas paixões é ofendida e pode até se tornar um pouco agressiva.

Qual a relação observada entre grau de escolaridade e essa seqüência "adesão, alienação e violência" nas entrevistas?
Nas entrevistas realizadas houve uma maior incidência de “aderidos”, “alienados” e preconceituosos em relação ao torcedor rival nos torcedores com maior grau de instrução (ensino médio, ou superior completo) do que nos de menos grau de instrução (até fundamental completo). Isso ocorreu porque a própria escolarização fomenta esse tipo de atitude, que na verdade é praticada por aqueles mais bem adaptados à sociedade.

Boa parte dessa "paixão" pelo futebol é influenciada e alimentada pela mídia?

Sim, de fato.

Mas, grande parte dos valores e referências  hoje não são criados pelos meios de comunicação?

Evidentemente são, e ai é que está o problema. A mídia vem há anos tomando o lugar na educação que antes pertencia aos pais. Não só a mídia, mas também os amigos e a escola. Isso fez com que o papel dos pais na educação decrescesse de tal modo, que hoje a criança não tem mais seus valores adquiridos da relação com os pais, ela está sempre mudando sua moral de acordo com os ditames da mídia e dos grupos aos quais pertencem. Não sou a favor da censura, mas penso que tudo aquilo que tem um grande poder deveria ter mais limites.

O que você quer dizer como educação para autonomia?

A educação para autonomia (como descrita por Theodor W. Adorno) está voltada para emancipação do indivíduo, para a liberdade, ou seja, o direito de reger-se segundo leis próprias. Para tanto seria necessária uma educação calcada na experiência (e não só na informação dada pela mídia em geral), no convívio com o outro e com as coisas, com uma educação inclusiva que permitisse o contato com a alteridade (mediada por uma educação coerente e reforçada em uma experiência imediata). Uma educação voltada para a vida e não para o trabalho. Que difere da educação para heteronomia (sujeição a uma lei exterior ou à vontade de outrem), das mídias, dos grupos “cegos” e da alienação, que existem hoje.

Esse tipo de educação tenderia a quebrar essa seqüência "adesão, alienação e violência" ?
A princípio talvez não, mas com o tempo com certeza auxiliaria muito nessa e em outras questões como os bullyings nas escolas.

Você acha que as escolas têm perseguido esse objetivo de educação não massificada?

A questão já não é mais a escola. Ela só prepara o aluno para se adaptar à sociedade que exige essa massificação, a competição, a indiferença - se prestarmos atenção percebemos que devemos ser educados para frieza, caso contrário passaríamos o dia chorando, ao ver o que vemos pelas ruas. Essa indiferença faz com que o outro não nos seja importante e daí decorre mais violência: nos unimos em torcidas, em shows de bandas e raves, como pedaços inconscientes para esconder nossa inexorável solidão. Se todos somos ou tentamos nos tornar iguais, nada somos.  

OBS: O entrevistado, Roberto Romeiro Hryniewicz é bacharel e licenciado em Psicologia pela Universidade de São Paulo – USP e Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela mesma Universidade


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